sexta-feira, 18 de junho de 2010

Re-enactment de Valie Export por Roberta Wightman

Entre 1968 e 1971, VALIE EXPORT passou por dez cidades européias usando um pequeno cinema que envolvia seu torso nu. Nas ruas ela convidou homens, mulheres e crianças para tocá-la através de uma cortina (entrada do cinema) por apenas 30 segundos. O “espectador” não podia ver apenas tocar.
Nesta performance o corpo feminino não estava empacotado e pronto para ser vendido por diretores e produtores da indústria pornográfica. Ele estava sob o controle da própria mulher e era oferecido livremente pelas ruas desafiando assim as regras sociais da época. O espectador entrava em contato direto com uma mulher “de verdade” e sua privacidade não estava defendida por uma sala escura, muito pelo contrário. A cena se passava as claras e sob o olhar da mulher e de outros muitos espectadores.

VALIE EXPORT nas suas próprias palavras (traduzidas da melhor forma que pude):
“Como de costume, o filme é “exibido” no escuro. Mas o cinema encolheu um tanto – apenas duas mãos cabem dentro dele. Para ver (sentir, tocar) o filme, o espectador (usuário) tem que estender suas mãos pela entrada do cinema. Finalmente, a cortina que outrora se ergueu para os olhos, ergue-se agora para as mãos.

A recepção tátil é o oposto da fraude que é o voyeurismo. Enquanto o cidadão se satisfazer com a cópia reproduzida da liberdade sexual, o estado priva-se de uma revolução sexual. Tap and Touch Cinema é um exemplo de como a reinterpretação pode ativar o público.”

Escolhi essa performance por dois motivos. Queria um desafio. Algo que pudesse ao mesmo tempo me surpreender e me desestabilizar. A nudez em si não era uma questão, mas confesso que o contato físico me dava um certo medo. O segundo motivo foi que me interessei tanto pela forma quanto pela intenção de VALIE. Encontrei o Tap and Touch Cinema através de uma foto, que me impactou de cara. Além disso, todo o raciocínio por trás da performance me deixou bastante interessada e estimulada a tentar algo parecido.

O objetivo da performer, entre muitos outros, era separar o corpo feminino do erotismo: “Senti que era importante usar o corpo feminino para criar arte. Eu sabia que se fizesse nua, realmente modificaria como o público (maioria homens) iria me olhar. Não existiria desejo sexual pornográfico ou erótico envolvido – então ocorreria uma contradição.”

Fiquei instigada sobre o impacto dessa performance hoje em dia, já que a liberdade sexual e a posição da mulher na sociedade mudou drasticamente sem deixar, porém, de ser uma questão.
Fiz dois pequenos cinemas. Um era limpo, sem nenhuma informação. No outro colei fotos e textos relacionados à performance fazendo um link direto com a questão dos direitos autorais proposta pela Abramovic. Queria comparar as duas possibilidades. Escolhi uma blusa cavada até o umbigo. Desta forma eu estava nua, porém a nudez não era visível e dessa forma não era esperada.

Respirei fundo, criei coragem e parti para Rio das Ostras, mais precisamente para o Festival de Jazz e Blues que ocorreu entre os dias 3 e 6 de junho. O objetivo era fugir do ambiente universitário de artistas engajados da UNIRIO onde a sexualidade é explorada com mais facilidade e onde uma performance é recebida com muitos pré-conceitos. Fui para um ambiente de multiplicidade: artistas, políticos (Viva o Gabeira!), cidadãos que nunca ouviram falar de performance muito menos de VALIE EXPORT e os bêbados de costume.

PRIMEIRA TENTATIVA:

DESASTROSA – Com o cinema batizado por mim de “sem legendas” não obtive muitos resultados. Confesso ser a maior culpada. Minha dificuldade era em como me dirigir às pessoas pedindo que elas me tocassem. Além disso, o momento não podia ser pior. Fiz minha primeira tentativa durante um show às duas horas da tarde. Eu estava concorrendo com músicos extraordinários e perdi feio. Tentei me aproximar poucas vezes. Obtive um “NÃO, muito obrigado”, um “Pra que?” e alguns olhares de desdém. Frustrada, desisti muito rápido.
14 de junho de 2010 20:00
Robertinha disse...

SEGUNDA TENTATIVA

DESESPERO – Com o cinema “com legendas” foi bem mais fácil e bem mais difícil. Dessa vez optei por um approach passivo e um momento mais apropriado. No início algumas pessoas olhavam de longe e cochichavam. Depois algumas vieram ler o que estava escrito. Assim que percebiam que eu estava nua elas se negavam a me tocar (Fica para uma próxima Gabeira!). A vergonha foi passando e lentamente alguns homens começaram a se interessar pelo “jogo”. Alguns toques foram interessados (os homens liam para depois me tocar), constrangidos e respeitosos. Depois a informação de que eu estava nua foi passada de boca em boca e alguns homens chegaram unicamente com a intenção de comprovar o boato. Me perguntavam “você está pelada? Sério? E pode tocar assim? De graça? Entre muitas outras perguntas. Esses nem se interessavam pelo texto. Passaram gelo, apertaram meus mamilos e ganhei alguns números de celular, tudo isso sempre a base de muita risada e piadas. Quase todos questionaram os meus motivos. Eu respondi apenas uma vez quando percebi que a pergunta não era depreciativa. Disse algo parecido com “Para me tocar você precisa de um motivo? Não basta eu estar pedindo?” O homem se calou e foi embora. Ganhei o apelido nada carinhoso de PEITINHO por um grupo de bêbados. Um chegou a enfiar a cabeça dentro do cinema. Retruquei dizendo que era apenas para tocar e não para ver. Ele resmungou e jogou uma nota de dez reais. Nesse momento atingi o meu limite. Deixei os dez reais no chão e fui embora.

TERCEIRA TENTATIVA
COMPRA E TROCA – Esses três momentos foram feitos em lugares distintos e distantes um dos outros.

No último dia, ainda muito ofendida com os dez reais tentei inverter a situação. Fui para o palco principal onde ocorriam os shows à noite. Levei muitas notas de 2 reais, 4 rolos de papel higiênico e 20 cervejas num isopor. Primeiro comecei a comprar toques. “DOIS REAIS POR UM TOQUE” eu dizia com uma postura mais agressiva. Às vezes dizia “Você pode me tocar, por favor, eu te dou dois reais”. As pessoas não entendiam, duvidavam e os poucos homens que me tocaram o fizeram com constrangimento. Gastei somente 6 reais.

Depois comecei a trocar um toque por uma cerveja. Deixei a agressividade de lado. Isso durou 10 minutos ou menos. Formou-se uma fila e o público era de fanfarrões. Escutei “Oba! Mãozinha no peitinho e ainda ganho cerveja! “Casa comigo!”. Um homem chegou a falar que se eu pegasse no pênis dele ele me dava um whisky.

Constatando que nenhuma mulher havia me tocado fui para perto dos banheiros químicos. O título do filme era “UM TOQUE POR UM PEDAÇO DE PAPEL”. Pedi que uma amiga se fizesse de exemplo. Muitas riram, outras pediram o papel pelo “Amor de Deus”, mas não me tocaram, e outras mais corajosas me tocaram muito rapidamente. Uma única mulher me tocou no rosto. Dei para ela dois pedaços de papel pela ousadia. Depois de um rolo dei por encerrada a sessão.

A experiência foi exaustiva. Domingo, quando voltei para o Rio, não consegui sair da cama. Acho que ainda estou “digerindo” algumas informações. No entanto, algumas coisas me marcaram bastante
Ninguém me olhou nos olhos enquanto me tocava. E os poucos que tentaram rapidamente desviaram o olhar. O incômodo foi tão grande assim? Mesmo os que se sentiam a vontade para me humilhar ou zombar de mim não tinham a decência de me olhar. Primeiro comecei a achar que poucas foram as vezes que uma ligação/uma relação ocorreu durante as performances. Tudo era muito superficial. Depois entendi que relações ocorriam SIM, mesmo que os OUTROS não tivessem a coragem de assumi-las. Muito eu podia dizer sobre os homens que me tocaram. Será que eles podiam dizer muito sobre mim? Será que eles prestaram atenção? Comecei a questionar se esse não era o problema da sociedade atual. A sexualidade ganhou tamanha liberdade que se perdeu em algum momento. O toque passou a ser motivo de zombaria? Ou é tão difícil tocar uma pessoa que é preciso disfarçar!
Como está escrito no texto Estética Relacional de Nicolas Bourriaud “Nos romances de Witold Gombrowicz, vemos como cada indivíduo gera sua própria forma através de seu comportamento, sua maneira de se apresentar e se dirigir aos outros. Ela nasce nessa zona de contato em que o indivíduo se debate com o Outro para lhe impor aquilo que julga ser o seu “ser”. Então quando um ser não encara o Outro nos olhos ele não está encarando a si mesmo. Como diz Sartre “O inferno são os Outros”.
Entendi também que talvez a direção que a performance acabou tomando pode ter vindo da minha postura passiva. Foi uma escolha tomada pelo medo. Isso me deixou mais vulnerável e exposta do que eu já estava. Quando uma mulher vai a uma rua pedindo para que a toquem isso tem uma força incrível. Quando uma mulher espera para ser tocada isso a fragiliza e abre uma brecha imensa para que a piada tome conta. Quando tive uma postura mais agressiva poucos tiveram a atitude de me tocar.
O que isso diz sobre mim? O que isso diz sobre a postura das mulheres em geral? Sobre mim posso dizer que muito da minha postura é uma tentativa de camuflar minha insegurança extrema. Confesso estar até hoje muito transformada e muito sensível a todas essas informações.
É difícil comparar a “minha” performance com a de VALIE EXPORT. Primeiro por não saber sobre as repercussões de Tapp- und Tast-Kino e segundo porque a performance ao ser realizada ganhou uma outra direção e novas questões foram atreladas a elas, questões que nem eu sei direito como responder.

14 de junho de 2010 20:02

Um comentário:

  1. Excelente trabalho que a partir da simplicidade desperta uma série de questoes em relaçao à violência, crueldade e mercantilizaçao das relaçoes... Uma açao simples que desperta preconceitos, violências, dentro de uma perspectiva de re-enactment que integra mudança de contexto histórico, social, etc. etc. Um trabalho evidencia o quanto existem territórios estabelecidos e o quanto uma prática simples conduz à uma re-territorializaçao dos afetos...

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