domingo, 13 de junho de 2010

Re-enactment de Paradox of Práxis 1 de Francis Alÿs - Laura Sämy








































































































































































































































































































Observações sobre o trabalho prático - Laura Sämy
Francis Alÿs
Paradox of Práxis 1- 1997 "Às vêzes fazer alguma coisa leva a nada"


Sobre este trabalho :
Francis Alÿs empurra um bloco de gelo durante um dia inteiro pelas ruas da Cidade do México até ele derreter completamente.
Este projeto, realizado em meados dos anos 90, aparece como uma das primeiras investigações de uma série de trabalhos que, como ressalta Alÿs ( Catálogo- Contemporary Artists- Francis Alÿs/Phaidon/2000), vão tratar da ambiguidade presente nas relações Latino- americanas referente ao conceito de produção e ao dogma da eficiência. Ainda na mesma entrevista menciona o fato de que este projeto estrutura um debate ao questionar o contrato de produção: "às vêzes fazer alguma coisa leva a nada".

Características gerais :

Alÿs se interessa pela tradição oral - para ele o trabalho só se atualiza na sua repetição e transmissão. Por esta razão a arte estaria ligada ao mito. Nada a ver com veneração de ideais, mas sim com uma ativa prática interpretativa vivida pela audiência, que dará ao trabalho seu sentido e seu valor social. Critíca a visão da história da arte moderna e contemporânea que cultuaria o objeto artístico e recusaria o reconhecimento do transitório – para ele este olhar representa “o fracasso de ver que a arte realmente existe, assim dizendo, no transitório.” (ArtForum, 2002)
Com humor e sutileza ele brinca com as situações que produz e provoca. Me parece que não pretende preencher o inconsciente de imagens mas sim esvaziá-lo para que novas configurações apareçam...
Busca abrir espaços de fabulação na existência cotidiana – “ um homem empurrando um bloco de gelo na cidade do México pode carregar uma mensagem que ressoa muito além dos simples parâmetros do trabalho”.(Catálogo- Contemporary Artists - Francis Alÿs/Phaidon/2000)


O interesse pelo re-enactment desta performance:

A escolha de uma performance para a realização de um re-enactment foi bastante difícil. Todas as possibilidades me pareciam pouco atraentes quando avançava um pouco nos questionamentos e no futuro desenvolvimento de um argumento que realmente tocasse em algum ponto importante pra mim. Acho que uma dificuldade normal na realização de qualquer trabalho... Passeei por Abramovic, Valie Export, Márcia X, Simone Forti e derrepente Francis Alÿs - fui 'engordando' as várias possibilidades ao mesmo tempo e surgiram varias questões mais ou menos específicas a cada uma: local de realização, medo de ser demasiado agressiva, alto potencial para banalização, impossibilidade de conseguir todos os performers que necessitava para o mesmo dia...aí fui indo na direção daquela simples ação de empurrar um bloco de gelo por aí até que ele se desfizesse...fui me identificando cada fez mais com a simplicidade da proposição. Percebi que queria fazer alguma ação na rua e que esta ação pudesse estar de certa forma integrada à paisagem cotidiana daquele espaço - interessava menos uma intervenção claramente reconhecível como uma proposição artística e mais algo que provocasse uma curiosidade, um pequeno abalo...


O re-enactment :
Documentação de uma ação – vídeo e fotos

Às 11 horas da manhã de domingo iniciei o passeio com o bloco gelo na Rua Henrique Dumont esquina com Visconde de Pirajá, que se encerra às 16 horas e 40 minutos na praia de Copacabana na altura da Rua Siqueira Campos, quando o último pedaço de gelo é 'arrastado por Yemanjá'.
Na esquina da Rua Visconde de Pirajá um senhor, vendedor de flores eu acho, se preocupa com a minha dificuldade em deslocar o bloco de gelo. Sem me perguntar qualquer coisa se dispôs a pensar numa possível solução. Não sei se eu disse a palavra ‘caixa’ ou se ele pensou primeiro....em segundos tinha uma caixa de madeira na mão que me serviu de suporte possibilitando meu deslocamento. Agradeci a ajuda e segui meu caminho. Ao atravessar a rua pude perceber um motorista solícito que me dava passagem e me acenava para que eu soubesse que ele ia esperar minha travessia. Ao chegar no calçadão ganhei uma certa desenvoltura no transporte da peça de gelo e procurei então me concentrar na ação de empurrar e deslocar aquele objeto. As manifestações foram bastante variadas. Ouvi exclamações de surpresa como “olha! Gelo!” ou simplesmente um “Ah!...” de pura admiração; muitos olhares curiosos, às vêzes curiosíssimos, às vêzes desconfiados...; Veio um senhor correndo, vendedor ambulante eu acho, me perguntar aonde eu queria levar o gelo (com intenção de me ajudar) e eu disse:’ tenho que ir até o Aterro’. Ele parou, pensou e perguntou:’ É promessa? Eu disse que sim, ele se virou gritando pra alguém adiante: ‘É promessa!’
Percebi alí, na prática, que o objetivo e o sentido daquela ação não seriam ditados por mim - eram possíveis histórias a contar; Uma moça se aproximou e perguntou : ‘Desculpe a intromissão , mas qual é o objetivo?’ Eu hesitei e disse que ainda não sabia ao certo, ela se afastou, insatisfeita, fazendo um sinal para as amigas insinuando que eu estaria biruta...; Muitos simplesmente sorriam e/ou pediam pra tirar fotos; Uma senhora, também vendedora tirou um saquinho da bolsa e disse para eu proteger minhas mão do gelo; Um rapaz para seu ‘couper’ para me ajudar a por um pedaço de gelo em cima do outro e facilitar minha tarefa. Gostaria de observar que a maioria das pessoa que me ajudaram diretamente nada perguntaram -
o importante era me ajudar a realizar aquela tarefa, uma espécie de ajuda incondicional – isto me tocou muito delicadamente; Uma intervenção surpreendente foi a de um rapaz que achou que eu estava treinando para as olimpíadas de inverno - um esporte que eu nem sabia que existia, empurrar gelo. Ele disse que já tinha participado de 2 campeonatos e ficou um tempo me acompanhando e dizendo que eu precisava ir mais rápido pois as francesas estavam treinadíssimas. Eu repliquei que estava apenas começando...me deu uma água, um saco de jujubas e me desejou boa sorte - aquilo me parecia incrível...me vi treinando para as olimpíadas; Numa de minhas pausas em Copacabana uma mulher parou pra mim e disse: ‘ah, você conseguiu chegar até aqui. Mas não vai continuar? Tem que continuar...’ ; Mais adiante quando o bloco já estava bem reduzido, um ambulante me olha e pergunta o que faria com aquele gelo....ele precisava muito do gelo. Hesitei mas decidi dar os dois pedaços que estavam quebrados ficando com uma pequena base para seguir ainda mais um pouco. Senti uma certa nostalgia, seria possível sentir saudades do gelo?..
Senti que estava prestes a finalizar minha tarefa. Decidi entrar na areia e me aproximar do mar – estava provocando Yemanjá...uma onda veio e levou o pedacinho que restava. Ainda tentei achar algum vestígio....me acalmei e por fim dei de cara com aquela imensa imagem do mar.


Considerações finais :

O nome ‘Paradox of Práxis 1’, já pressupõe - algumas vêzes fazer nada é alguma coisa...
A simplicidade da proposição e a sutileza agem no pequeno, no micro – no espaço que se abre para as diferentes possibilidades de vivência e convivência.
Apesar de Alÿs não ser citado no texto de Nicolas Bourriaud ( ‘Estética Relacional'), me parece que ele se encaixa no grupo dos ‘artistas relacionais’ e portanto recorro à citação:

"...; a arte relacional não é o revival de nenhum movimento, o retorno a nenhum estilo; ela nasce da observação do presente e de uma reflexão sobre o destino da atividade artística. Seu postulado básico- a esfera das relações humanas como lugar da obra de arte..."(pág. 61) e mais a frente "...essa geração de artistas não considera a intersubjetividade e a interação como artifícios teóricos em voga, nem como coadjuvantes(pretextos) para uma prática tradicional da arte: ela as considera como ponto de partida e de chegada, em suma, como os principais elementos a dar forma à sua atividade."(pág. 62)

Arriscaria dizer que Alÿs faz um recorte bastante claro neste sentido - abre imensos espaços de diálogo apontando para questões essenciais que não se restringem ao universo artístico. Problematiza e sobretudo provoca a nossa capacide de entrega e de fé naquilo que fazemos, que criamos. Retoma a tradição oral da história como uma possibilidade de resistência à uma única possibilidade de verdade.
Alÿs dirá: “Se a história está correta, se atinge os nervos, pode se propagar como um rumor.”(ArtForum,2006)
A vida se efetuaria assim , por rumores....

Um comentário:

  1. Excelente trabalho de re-enactment e de conexao com as reflexoes de Bourriaud e Lehmann. Interessante que seu re-enactment propoe um diálogo com outro trabalho de Alys, onde centenas de pessoas se mobilizaram para deslocar a duna sem questionar o porque... :o) Embora o sistema já tenha inventados modos de captura da atividade inútil, como essas Olimpíadas, das quais você pode agora participar :o)

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